29.04.2025
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Tokenização no Brasil: regulação, inovação e a visão de uma economia digital

O universo da tokenização, seus desafios regulatórios e o potencial de transformar a economia brasileira foram os temas centrais de um bate-papo no podcast Fintech Fusion, promovido pela ABFintechs.

O episódio contou com a participação do sócio Erik Oioli, que possui mais de 25 anos de experiência em transações no mercado financeiro e de mercado de capitais e é reconhecido como um dos principais especialistas em blockchain e criptoativos do país, tendo sido pioneiro na estruturação de projetos de tokenização de ativos no Brasil e na concepção de projetos utilizando tecnologias DLT (como blockchain) como infraestrutura para negócios e transações financeiras.

Durante a conversa, Erik relatou ter “tropeçado” no mundo dos ativos digitais em 2017, ao ser convidado a participar de discussões legislativas em Brasília sobre um projeto que visava disciplinar as “moedas virtuais”. Sua experiência em direito bancário e regulação, somada à visão acadêmica, foi fundamental para entender a tecnologia blockchain e sua relevância para as estruturas financeiras tradicionais, como captações, fundos e securitizações. Ele participou da elaboração de um texto alternativo que serviu de base para o substitutivo que levou à Lei 14.478, conhecida como Lei das VASPs (Prestadores de Serviços de Ativos Virtuais).

A partir de 2018, a onda de tokenização começou a ganhar força no Brasil, e Oioli esteve envolvido nos primeiros projetos. Ele enfatiza a importância de classificar juridicamente o que de fato é um token e como aplicar as regras existentes, como o Código Civil, nesse novo ambiente. A tokenização de ativos do mercado financeiro, visando captação de recursos para investimento, tornou-se um dos focos de seu trabalho. Projetos como o TIDIC (análogo ao FIDIC) e a primeira oferta pública de valor mobiliário registrada na CVM, uma nota comercial tokenizada, são exemplos dessa aplicação realizada pelo VBSO Advogados.

Chassis regulatórios diferentes

Um dos principais desafios, segundo Oioli, reside na regulação do mercado de capitais, que não foi concebida para a infraestrutura tecnológica do blockchain. Ele descreve a situação como “chassis regulatórios diferentes”, onde a regulação centenária encontra dificuldades em se adaptar à tecnologia, citando como exemplo prático a exigência de depósito centralizado de valores mobiliários, que não se alinha naturalmente com a essência descentralizada de um token.

Inicialmente, muitos projetos viam a tokenização de forma limitada, apenas como uma forma de criar uma representação digital fracionada para distribuição. No entanto, Oioli ressalta que o verdadeiro valor está em utilizar a tecnologia como infraestrutura para as operações, aproveitando atributos do blockchain como segurança, eficiência, transparência e rastreabilidade para construir confiança no mercado. A regulação, especialmente no mercado de capitais, tem justamente o papel fundamental de construir confiança entre os agentes.

Reguladores brasileiros como a CVM e Banco Central têm avançado na compreensão da tecnologia e visto seu potencial para o futuro do mercado de capitais. Apesar do ritmo regulatório ser mais lento que o da inovação, a CVM, de forma pragmática, tem reinterpretado regras existentes para acomodar a tokenização. Um exemplo notável é a adaptação das plataformas de crowdfunding (Instrução CVM 88) para a tokenização de recebíveis.

Para contornar as limitações do crowdfunding, pensadas para startups, a CVM permitiu que a tokenização de recebíveis de empresas maiores se encaixasse ao utilizar a estrutura de securitização e o conceito de patrimônio separado (regime fiduciário), cujos limites podem ser contados em relação a esse patrimônio afetado, e não à empresa cedente do recebível. Essa abordagem já levou a um crescimento significativo no volume de emissões via crowdfunding nos últimos dois anos.

A revolução do DREX

A agenda do Banco Central, especialmente o DREX (Real Digital), é vista como um grande catalisador para o mercado de tokenização. O DREX, sendo uma moeda digital programável, é essencial para que as regras de negócio (smart contracts) e os ativos tokenizados possam “conversar” na mesma linguagem, permitindo a automatização de operações complexas, como a transferência de imóveis com pagamento automático (Delivery Versus Payment – DVP), reduzindo riscos e custos de execução.

A visão do Banco Central é de uma economia verdadeiramente tokenizada, onde ativos de diversas naturezas, e não apenas financeiros, possam nascer digitalmente em blockchain.

Embora o mercado financeiro esteja na vanguarda, outros setores como o agronegócio e o imobiliário já olham para a tokenização. No entanto, a tokenização de ativos off-chain, como imóveis, requer mudanças legislativas e a participação de intermediários com fé pública, como cartórios, para garantir a correspondência entre o mundo físico e o digital.

A implementação do DREX enfrenta desafios complexos, incluindo a questão da privacidade e do sigilo bancário, que exigem debates regulatórios, ideológicos e políticos.

Para a ABFintechs a recomendação é clara: não ignorar essa agenda e estar preparado, monitorando os desenvolvimentos e testando aplicações. O mercado está em transformação, e encontrar um modelo de negócio estratégico (originação, distribuição ou estruturação) dentro das estruturas existentes é crucial.

Para aqueles que se enquadram como VASPs, antecipar a preparação para as futuras regras do Banco Central, mesmo antes de sua aprovação formal, é fundamental para garantir o “safe harbor” e evitar longos períodos de espera por autorização.

Em suma, o mercado de tokenização no Brasil está em um momento de amadurecimento e construção contínua, com reguladores e o mercado trabalhando juntos para desenvolver esse novo ambiente digital. A visão de uma economia tokenizada é ambiciosa, mas os avanços recentes indicam um futuro promissor e desafiador para o setor.

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