23.03.2024
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Conselho Monetário Nacional restringe emissões de CRI e CRA, LCI, LCA e LIG

As emissões de títulos de securitização que fazem jus à isenção do imposto sobre a renda incidente sobre os rendimentos pagos a pessoas físicas – a saber, os certificados de recebíveis imobiliários e do agronegócio (CRI e CRA) – passam a ter novas regras para composição de lastro que devem mudar de forma sensível os contornos deste mercado.

Da mesma forma, as emissões de títulos de emissão bancária que fazem jus ao mesmo tratamento fiscal e também vinculados aos mesmos setores (letras de crédito imobiliária e do agronegócio (LCI e LCA) e as letras imobiliárias garantidas também passaram por mudanças.

Detalharemos a seguir ambos os conjuntos de modificações, que possuem como característica comum a restrição ao volume de transações elegíveis ao tratamento fiscal mais favorável e que terão impacto direto nas finanças das empresas atuantes em tais setores e, também, na quantidade de títulos incentivados disponíveis para os investidores, sejam pessoas físicas, sejam veículos de investimento coletivos setoriais como os fundos  de investimento imobiliário – FII ou fundos de investimento nas cadeias produtivas agroindustriais – FIAGRO.

Em relação a estes últimos, as modificações são preocupantes. Os últimos anos foram marcados por um aumento da capitalização dos FII e FIAGRO que investem em CRI e CRA, os chamados “fundos de papel”, que são fundos fechados geralmente com prazo indeterminado de duração.

Estes fundos poderão ter sérios problemas para reinvestimento quando os atuais CRI e CRA que integram suas carteiras forem pagos, tendo em vista a severa restrição imposta pelo CMN a ambos os mercados e as próprias restrições da política de investimento de tais veículos.

Da mesma sorte, toda a indústria de prestadores de serviços que orbita o mercado de securitização de recebíveis – a começar pelas próprias companhias securitizadoras – certamente terão que rever suas estratégias e posicionamentos, dado o cenário que descreveremos a seguir.

Modificações do lastro de emissões de CRI e CRA 

A Resolução n⁰ 5.118, de 1º de fevereiro de 2024, limitou de forma relevante uma série de estruturas de securitização de recebíveis atualmente realizadas no mercado de capitais brasileiro.

Em primeiro lugar, veda a realização de emissões de CRI ou CRA lastreados em títulos de dívida cujo emissor, devedor, codevedor ou garantidor seja companhia aberta ou instituição financeira, ou partes relacionadas a qualquer uma delas.

Excetuam-se dessa restrição as companhias abertas que tenham setor principal de atividade imobiliário (para o CRI) ou do agronegócio (para o CRA), entendido tal setor como aquele do qual provenham mais de 2/3 (dois terços) de sua receita consolidada, apurada com base nas demonstrações financeiras do último exercício social publicadas.

Note-se que a definição de título de dívida adotada pela regra é bastante ampla, abrangendo inclusive instrumentos que não são, propriamente, um título de dívida puro e simples, caso dos “contratos de promessa de pagamento futuro” e contratos de arrendamento mercantil, além de instrumentos de financiamento bancário, como os contratos de empréstimo ou financiamento e cédulas de crédito bancário.

Desse modo, um empréstimo ou financiamento concedido por instituição financeira a uma companhia aberta ou parte a ela relacionada que não tenham como setor principal de atividade agro ou imobiliário não são, igualmente, elegíveis para compor o lastro de uma operação de CRI ou CRA, consistindo em um severo desestímulo ao financiamento privado para os setores imobiliários e do agronegócio.

Ainda, deixam de ser elegíveis para lastrear CRI ou CRA direitos creditórios provenientes de operações com partes relacionadas, como os conhecidos contratos de locação sob condição suspensiva celebrados com empresa do mesmo grupo do locador original do imóvel com a finalidade de complementar volume ou prazo de lastro de operações com lastro em contratos de locação pulverizados (conhecidos no mercado como “contratos de locação tampão”).

Da mesma forma, quaisquer direitos creditórios “decorrentes de operações financeiras cujos recursos sejam utilizados para reembolso de despesas” são eliminadas do rol de ativos elegíveis para compor o lastro de CRI ou CRA.

Desse modo, embora títulos de dívida emitidos por companhias fechadas ou sociedades limitadas possam seguir lastreando CRI ou CRA ainda que tais devedores não sejam vinculados ao setor imobiliário ou do agronegócio em sua atividade principal, somente poderão associar despesas futuras como destinação de tal dívida, e não mais as despesas previamente incorridas, como anteriormente permitido conforme precedentes da Comissão de Valores Mobiliários.

Em adição, é vedada a estruturação de CRI ou CRA cujo lastro seja efetivamente pulverizado (isto é, não composto de títulos de dívida nem de direitos creditórios oriundos de negócios jurídicos com partes relacionadas) caso uma companhia aberta ou instituição financeira, inclusive partes relacionadas, retenham quaisquer riscos e benefícios da carteira cedida.

Tal restrição também é problemática, pois o termo “quaisquer” pode abranger inclusive arranjos negociais que não consistem em retenção substancial de tais riscos e benefícios e, portanto, são utilizados inclusive em operações consideradas off balance, como mecanismo de resolução de cessão de direitos creditórios em caso de má formalização.

Este conjunto de novas vedações, combinado com as exigências da Resolução CVM n⁰ 60/21 de que (i) emissões destinadas a público-alvo de varejo contem com apenas um cedente, que deve estabelecer mecanismo de retenção de risco, e (ii) os devedores e coobrigados não podem responder por mais de 20% da carteira de recebíveis lastreadores, em termos práticos torna muito difícil que novas emissões de CRA destinadas ao público não qualificado.

A norma estabeleceu uma regra razoável de transição, permitindo que as operações que já tivessem pleiteado registro de oferta pública à CVM possam utilizar lastro que não cumpra os novos requisitos, além daqueles previamente ofertados. Isto é: não afeta nem o “estoque” de operações, nem as operações cuja oferta pública tenha sido protocolada anteriormente à edição da Resolução CMN n⁰ 5.118/24.

Vai abaixo um resumo dos tipos de operações que não podem mais ser realizados em virtude das novas regras, e daqueles que seguem possíveis:

Exemplos de operações vedadas:

  • CRI/CRA “corporativo” devido por ou com coobrigação de companhia aberta que não tenha mais que 2/3 de sua receita proveniente do setor agro ou imobiliário, inclusive partes relacionadas
  • CRI/CRA “corporativo” devido por ou com coobrigação de instituição financeira, inclusive partes relacionadas
  • CRI/CRA “corporativo” devido por ou com coobrigação de companhia fechada ou sociedade limitada que não seja parte relacionada de cia aberta que não tenha mais que 2/3 de sua receita proveniente do setor agro ou imobiliário, mas que conte com coobrigação desta última ou de instituição financeira, inclusive partes relacionadas;
  • CRI/CRA lastreado em financiamento bancário com destinação imobiliária concedido a companhia aberta que não tenha mais que 2/3 de sua receita proveniente do setor agro ou imobiliário, inclusive partes relacionadas
  • CRI/CRA com lastro pulverizado caso haja coobrigação, subordinação, garantia fidejussória, obrigação de recompra de lastro ou qualquer outro mecanismo de retenção de riscos e benefícios relativos à carteira-lastro prestado por companhia aberta que não tenha mais que 2/3 de sua receita proveniente do setor agro ou imobiliário ou instituição financeira, inclusive partes relacionadas
  • CRI/CRA com lastro pulverizado caso haja coobrigação, subordinação, garantia fidejussória, obrigação de recompra de lastro ou qualquer outro mecanismo de retenção de riscos e benefícios relativos à carteira-lastro prestado por instituição financeira, inclusive partes relacionadas
  • CRI/CRA com lastro em qualquer direito creditório (seja título de dívida ou não) que se caracterize como imobiliário ou do agronegócio em virtude de destinação por reembolso de despesas, por exemplo:
  • CRI com lastro em dívida destinada ao reembolso de aluguéis pagos
  • CRI com lastro em dívida destinada ao reembolso de despesas com aquisição, reforma ou ampliação de imóveis
  • CRA com lastro em dívida destinada ao reembolso de despesas com produtores rurais, seja diretamente ou por meio da aquisição de insumos para a produção de bens ou prestação de serviços a produtores rurais
  • CRI que tenha como lastro contrato de locação sob condição suspensiva celebrado com parte relacionada (locação “tampão”)
  • CRI com lastro em contrato de compra e venda de imóvel com pagamento a prazo, ou promessa de compra e venda, ou em qualquer outro arranjo contratual celebrado entre partes relacionadas;
  • CRA que tenha como lastro direito creditório oriundo de qualquer arranjo contratual celebrado entre partes relacionadas

Exemplos de operações que seguem permitidas: 

  • CRI/CRA “corporativo” devido por companhia fechada ou sociedade limitada que não seja parte relacionada de instituição financeira ou companhia aberta que não tenha mais que 2/3 de sua receita proveniente do setor imobiliário ou do agronegócio, inclusive partes relacionadas, e desde que a destinação (quando exigida) seja voltada a gastos futuros; tais títulos poderão inclusive ser destinados a investidores qualificados quando preenchidos os requisitos da Resolução CVM nº 60/21
  • CRI/CRA com lastro pulverizado com qualquer mecanismo de retenção de risco prestado por companhia fechada ou sociedade limitada que não seja parte relacionada de instituição financeira ou companhia aberta que não tenha mais que 2/3 de sua receita proveniente do setor imobiliário ou do agronegócio, inclusive partes relacionadas, e desde que os direitos creditórios não decorram de operações financeiras voltadas a reembolso de despesas
  • CRI/CRA com lastro pulverizado e sem qualquer mecanismo de retenção de risco, e desde que os direitos creditórios não decorram de operações financeiras voltadas a reembolso de despesas
  • CRI lastreado em aluguéis, contratos de compra e venda de imóveis ou qualquer outro arranjo contratual que não seja celebrado entre partes relacionadas

Modificações para LCI, LCA e LIG 

As modificações relativas às LCI, LCA e LIG foram introduzidas em outro normativo, a Resolução n⁰ 5.119, de 1º de fevereiro de 2024, e não se limitaram apenas ao lastro de tais títulos.

Relativamente à LCI, houve aumento do prazo mínimo de vencimento de 90 dias para 12 meses, assim como se alterou o rol de ativos lastro, ficando excluídos os empréstimos sem destinação necessariamente imobiliária, mas com garantia real imobiliária, concedidos a pessoas jurídicas (conhecidos como home equity PJ).

Tal como ocorreu no caso do CRI e do CRA, as LCI emitidas com lastro doravante não mais elegível podem seguir vigentes, sendo inclusive permitida a troca de lastro existente por lastro não elegível até o vencimento da LCI, vedada a prorrogação desta.

Para a LIG, os créditos imobiliários que forem utilizados para lastreá-la deixam de ser computados para fins do direcionamento obrigatório de recursos captados em cadernetas de poupança, evitando, segundo o CMN, um duplo benefício à instituição financeira emissora do título.

Para as LCA, fica vedada sua emissão com lastro em adiantamentos sobre operação de câmbio, créditos à exportação, inclusive certificados, cédulas ou notas deles representativos (por exemplo, CCE e NCE), certificados de recebíveis, inclusive CRA, e debêntures.

Além da restrição em si, é negativo o tratamento regulatório diverso para o mesmo conceito legal de direito creditório do agronegócio em duas circunstâncias diferentes: o mesmo conceito legal é interpretado de um modo quando lastro de CRA e de outro, muito mais restritivo, quando lastro de LCA.

Ainda, a partir de 30 de junho de 2025, empréstimos relativos a operações de crédito rural com recursos subsidiados deixam de ser elegíveis para lastrear CRA, com cronograma progressivo de implementação desta restrição iniciando-se em 2 de fevereiro de 2024.

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