30.12.2024
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Entenda os impactos da Reforma Tributária para securitizadoras

No dia 17 de dezembro de 2024, a Câmara dos Deputados aprovou o texto do Projeto de Lei Complementar (“PLP”) nº 68, responsável por regulamentar a Reforma da Tributação do Consumo iniciada com a Emenda Constitucional nº 132/2023.

O texto aprovado foi disponibilizado apenas no dia 26 de dezembro de 2024 e segue agora para sanção presidencial, havendo expectativa de promulgação da respectiva lei complementar ainda em 2024. É necessário manter o acompanhamento da questão para confirmar se alguma mudança será implementada (por exemplo, via veto).

Nesta mensagem, resumiremos as principais previsões do PLP nº 68 especificamente relacionadas às companhias securitizadoras.

Previsões específicas para a atividade de securitização

Securitização como serviço financeiro: as receitas da atividade de securitização estão sujeitas ao regime específico aplicável aos serviços financeiros (artigo 182, inciso IV). No contexto desse regime, as alíquotas de IBS e CBS serão específicas (ou seja, não haverá aplicação da alíquota geral, que, segundo estimativas, será de aprox. 27%).

Ainda não há definição exata de qual será a alíquota aplicada aos serviços financeiros. Importante notar que, diferentemente do regime cumulativo de PIS e de COFINS, as regras específicas do regime de serviços financeiros não condicionam toda a apuração tributária da pessoa jurídica.

Apenas as atividades classificadas como “serviços financeiros” é que serão tributadas em conformidade com o regime específico. Outras atividades sujeitas à incidência de IBS e de CBS, mas não submetidas à essa classificação, deverão observar as regras gerais de incidência, com aplicação de alíquotas e regras de creditamento próprias (artigo 184, parágrafo 3º).

Regras específicas aplicáveis à securitização e ao factoring: houve inclusão de um dispositivo específico para tratar da apuração do IBS e da CBS no caso de securitização e factoring (artigo 193). Em síntese, o dispositivo prevê (i) definição do que se entende por “receita” dessas atividades, (ii) deduções específicas para a base de cálculo dos tributos incidentes nessas atividades, e (iii) equiparação de tratamento para FIDCs. Apresentaremos comentários breves sobre esses pontos abaixo.

Base de cálculo: no caso de atividade envolvendo serviços financeiros (como é o caso da securitização), o IBS e a CBS serão calculados mediante aplicação da alíquota (ainda não definida) sobre o resultado da subtração de determinadas deduções admitidas em lei das “receitas das operações” (artigo 185)

Receita da atividade: no caso de securitização, é possível afirmar que a “receita da operação” é definida como o “desconto aplicado na liquidação antecipada” (artigo 193, parágrafo 1º)

Deduções da base de cálculo: sobre a receita indicada acima, serão admitidos descontos sobre (i) “despesas financeiras com a captação de recursos”, (ii) diversas despesas específicas da atividade de securitização, e (iii) perdas no recebimento de créditos, perdas na cessão de créditos e perdas na concessão de descontos, desde que realizados a valor de mercado (artigo 193, parágrafo 1º)

Despesas específicas da atividade de securitização: existe uma lista, a nosso ver, taxativa acerca das despesas da atividade que poderão ser deduzidas na apuração da base de cálculo, abrangendo a emissão, distribuição, custódia, escrituração, registro, preparação e formalização de documentos, administração do patrimônio separado e atuação de agentes fiduciários, de cobrança e de classificação de risco. Não haverá possibilidade de dedução se os serviços forem prestados por empregados ou administradores da empresa securitizadora (artigo 194, parágrafo 1º, inciso II).

Outras despesas: ainda que existam outros gastos incorridos na atividade de securitização não contemplados na lista acima, poderá haver a possibilidade de aproveitamento de créditos da não cumulatividade de IBS e de CBS no caso de cumprimento dos requisitos gerais da legislação (vide artigo 47).

Fundos de investimento em direitos creditórios: o FIDC que atuar com antecipação de recebíveis e não for classificado como entidade de investimento estará sujeito ao tratamento descrito acima (artigo 193, parágrafo 5º). Caso o FIDC seja entidade de investimento, poderá não ser tratado como

Tomador do serviço de securitização: poderá apropriar créditos de IBS e de CBS em relação à parcela do deságio que superar a curva de juros futuros da taxa DI (artigo 196).

Tributação do investidor: como regra geral, permanece a hipótese de não incidência de IBS e de CBS em relação a operações com títulos e valores mobiliários (artigo 6º, VII). No entanto, em algumas situações envolvendo empresas sujeitas ao regime específico para serviços financeiros, poderá haver incidência.

Visão geral da Reforma da Tributação do Consumo

Simplificadamente, a Reforma da Tributação do Consumo prevê a substituição de inúmeros tributos atuais (PIS, COFINS, IPI, IOF-Seguros, ICMS e ISS) por novos tributos (IBS, CBS e IS). O IBS e a CBS, em especial, demandam atenção redobrada considerando a sua grande abrangência: incidência sobre de operações onerosas com bens (inclusive direitos) ou com serviços, além de algumas operações não onerosas especificamente indicadas na legislação.

Além disso, é importante notar que o IBS e a CBS compartilharão regras sobre definição de fato gerador, apuração de base de cálculo, atribuição de responsabilidade pelo recolhimento, etc.. No entanto, existirão competências distintas para definir alíquotas e exigir os tributos: (i) o IBS terá competência compartilhada entre Estados e Municípios; e (ii) a CBS será de competência da União Federal.

As alterações mencionadas acima não serão aplicadas instantaneamente, havendo a previsão de um regime de transição entre 2026 e 2033. Durante esse período, os tributos antigos serão gradualmente reduzidos, enquanto os novos tributos terão suas alíquotas também gradualmente aumentadas. Em determinados anos, todos os tributos acima serão exigidos conjuntamente, impondo desafios adicionais para o compliance de obrigações tributárias e funcionamento de sistemas fiscais.

As linhas gerais relacionadas a tais alterações foram previstas na Emenda Constitucional nº 132/2023. No entanto, há necessidade de uma detalhada regulamentação, inclusive por meio de leis complementares, que, por conta de seu caráter de lei nacional, podem assegurar uniformidade necessária para exigência do IBS pelos diversos Estados e municípios.

Nesse contexto, o Governo Federal apresentou dois projetos de lei complementar: (i) o PLP nº 68/2024, que trata da instituição do IBS, da CBS e do IS, fixando as regras gerais de incidência de cada tributo, e (ii) o PLP nº 108/2024, responsável por disciplinar a criação do Comitê Gestor do IBS, as regras de transição, além de trazer outras alterações à legislação tributária.

Apesar de intimamente relacionados, cada PLP seguiu uma tramitação diferente, considerando que foram apresentados em datas diferentes. Por exemplo, o PLP nº 68/2024 já foi aprovado por ambas as casas do Congresso Nacional e aguarda sanção. O PLP nº 108/2024 foi aprovado na Câmara dos Deputados, mas ainda aguarda votação no Senado Federal.

Mesmo depois da aprovação das leis complementares, haverá necessidade de edição de leis ordinárias federais, estaduais e municipais estabelecendo, por exemplo, as alíquotas de CBS e IBS. Posteriormente, ainda serão editados decretos e instruções normativas sobre o tema. O caminho até o novo Sistema Tributário é longo e os contribuintes devem permanecer atentos. Somente assim será possível assegurar que as promessas de racionalidade e simplificação sejam efetivamente cumpridas.

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