A Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo aprovou três novos Enunciados (nºs XXIV a XXVI), na sessão do Grupo Reservado de Direito Empresarial, realizada em 10 de dezembro de 2024, com o propósito de uniformização e pacificação da jurisprudência das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial sobre três temas relevantes no âmbito da matéria de direito empresarial e de insolvência, a saber, (I) a não sujeição dos recebíveis cedidos fiduciariamente em garantia à recuperação judicial, (II) a impossibilidade de habilitação do crédito extraconcursal no concurso de credores, e (III) a não aplicação da exigência de recolhimento das custas processuais para as impugnações de crédito retardatárias.
Conforme o Comunicado nº 1/2025, publicado em 10 de janeiro de 2025, os três novos Enunciados aprovados foram redigidos da seguinte forma:
Enunciado XXIV – Os recebíveis cedidos fiduciariamente em garantia, performados e a performar, não se submetem aos efeitos do processo recuperacional.
A controvérsia acerca da sujeição dos créditos garantidos por cessão fiduciária de recebíveis, performados ou a performar, já foi objeto de divergência na jurisprudência. O Superior Tribunal de Justiça pacificou o posicionamento sobre o tema ao longo do tempo, ao reiterar que inexiste diferença entre os créditos cedidos performados antes da decisão que determina o processamento da recuperação judicial, e os créditos cedidos ainda a performar após esse marco temporal.
Mesmo com a pacificação no âmbito do STJ, a divergência de interpretações persistiu entre as duas Câmaras Reservadas de Direito Empresarial, especialmente com entendimento adotado especificamente pela 1ª CRDE, favorável à não sujeição do credito garantido pela cessão fiduciária de recebíveis, independentemente de se tratar recebível performado ou a performar, versus o entendimento adotado pelos Desembargadores Maurício Pessoa e Grava Brazil, integrantes da 2ª CRDE, favoráveis à sujeição dos créditos garantidos por cessão fiduciária de recebíveis a performar, sob o entendimento de que a cessão fiduciária seria ineficaz em relação a estes.
Apesar da divergência, os referidos Desembargadores passaram a aderir ao posicionamento da maioria, o que levou o Grupo Reservado de Direito Empresarial a aprovar, por unanimidade, o Enunciado XXIV reiterando o posicionamento favorável à não sujeição dos créditos garantidos por cessão fiduciária de recebíveis, independentemente de se tratarem de recebíveis performados ou a performar.
A aprovação do Enunciado XXIV busca uniformizar as interpretações adotadas pelos magistrados de primeira instância, apresentando-se como evolução de entendimento relevante para evitar controvérsias em que decisões de primeiro grau, comumente, determinam indistintamente a sujeição do crédito garantido por recebíveis performados e a performar e, consequentemente, liberam recebíveis retidos, esvaziando o objeto da garantia fiduciária.
Enunciado XXV – Os credores extraconcursais, ainda que queiram e haja concordância da recuperanda, não se sujeitam à habilitação do crédito na recuperação judicial, devendo perseguir a satisfação de seu interesse pela via executiva e perante a Justiça Competente.
O Enunciando XXV aprovado busca sedimentar o entendimento sobre a impossibilidade de habilitação do crédito extraconcursal, a despeito da vontade do credor e da concordância da recuperanda. A controvérsia que motivou a redação do Enunciado está relacionada, especificamente, às pretensões de habilitação de créditos trabalhistas, cujo fato gerador ocorreu após a data do pedido de recuperação judicial.
A justificativa para aprovação do Enunciado XXV parte da premissa de pacificação da jurisprudência das Câmaras Reservadas. É necessário apontar, contudo, que as justificativas apresentadas também apontam que os Desembargadores (Sérgio Shimura, Ricardo Negrão, Azuma Nishi e J.B. Paula Lima) contrários à habilitação do crédito extraconcursal não apresentam, nas ementas dos julgados listados, menção expressa à impossibilidade de habilitação do crédito extraconcursal, de modo que a conclusão é extraída da negativa de provimento do recurso do credor, que pretendia habilitar seu crédito extraconcursal.
Por outro lado, dos julgados colacionados sob a relatoria dos Desembargadores (Maurício Pessoa e Grava Brazil) favoráveis à habilitação dos créditos extraconcursais, verifica-se o expresso reconhecimento da renúncia do credor ao tratamento mais benéfico conferido pela Lei e à possibilidade de executar seu crédito pelas vias próprias, e da sujeição do crédito às condições previstas no plano de recuperação judicial, em igualdade perante os demais credores.
Enunciado XXVI – Em razão do princípio da legalidade estrita (CF, art. 150, I, e CTN, art. 114), o disposto no art. 10, caput e § 3º, da Lei n. 11.101/2005, somente é aplicável às habilitações retardatárias, de forma que as impugnações retardatárias não se sujeitam ao recolhimento de custas processuais (LE n. 11.608/2003, art. 4º, § 8º).
Por fim, o Enunciado XXVI pacifica o entendimento de que a exigência de recolhimento das custas judiciais somente é aplicável às habilitações retardatárias, de forma que as impugnações retardatárias não se sujeitam ao recolhimento de custas processuais. A aprovação do Enunciado também busca sedimentar a orientação sobre a dispensa das custas para as impugnações retardatárias, frente às comuns decisões de primeira instância em sentido contrário.