03.07.2025
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CVM lança regime Fácil para companhias de menor porte

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou nesta quinta-feira, 3 de julho, as resoluções CVM 231 e 232, que instituem o aguardado Regime FÁCIL. As medidas criam um ambiente regulatório simplificado para companhias de menor porte realizarem ofertas públicas de valores mobiliários no Brasil.

O movimento, amplamente esperado pelo mercado, atende a uma demanda histórica de empresas que buscam diversificar suas fontes de financiamento, mas enfrentavam custos e burocracias desproporcionais ao seu porte.

As resoluções CVM 231 e 232 entram em vigor a partir de 2 de janeiro de 2026.

 

1. O que é o regime FÁCIL?

É um “regime regulatório diferenciado voltado para as companhias de menor porte”, que visa desburocratizar e reduzir os custos para essas empresas acessarem o mercado de capitais.

Principais Vantagens:
• Redução de burocracias e de custos: Oferece “possibilidade de registros automáticos, redução de documentação exigida e da carga regulatória para empresas de menor porte”.
• Ampliação do acesso ao mercado de capitais: Permite o “acesso a investidores institucionais e ao mercado de ações”.
• Alternativa ao crédito bancário: Apresenta-se como uma solução para “altas taxas de juros e a dificuldade de obtenção de financiamento bancário”.

2. Elegibilidade para adesão ao FÁCIL

Para aderir ao regime FÁCIL, as empresas devem atender aos seguintes requisitos:

• Ser uma S.A. de menor porte, com “receita bruta inferior a R$ 500 milhões”.
• Estar “listadas em mercado organizado de valores mobiliários”.
• Estar “em estágio operacional”.
• Obter “aprovação prévia dos investidores (no caso de companhias já listadas)” por maioria dos presentes em assembleia ou declaração da totalidade de investidores.

Exceções e Não Aplicação: O regime FÁCIL não se aplica a:
• Emissores estrangeiros.
• Sociedades beneficiárias de incentivos fiscais (Res. CVM 10/2020).
• Emissores e valores mobiliários representativos de operações de securitização.
Desenquadramento como CMP: Uma companhia pode ser desenquadrada do regime FÁCIL por iniciativa própria, ou se:
• Sua receita bruta consolidada for igual ou superior a R$ 500 milhões.
• Deixar de estar listada em mercado organizado.
• Não realizar oferta pública de distribuição de valores mobiliários em 24 meses do registro inicial (se a classificação como CMP ocorreu concomitantemente ao registro).

3. Dispensas legais e regulatórias no âmbito do FÁCIL

Concede diversas dispensas, limitadas pelas previsões estatutárias do emissor, documentos da emissão, regras de listagem da entidade administradora do mercado organizado e a relação de dispensas solicitadas pelo emissor.

Dispensas regulatórias notáveis:

• Substituição do Formulário de Referência pelo Formulário FÁCIL: Atualização obrigatória em 14 dias úteis em caso de alteração de administração, variação de percentuais em patamares de 5% de participação acionária, e alteração de capital social.
• Substituição do ITR (Informações Trimestrais) por ISEM (Informações Semestrais).
• Dispensa de divulgação de informações no site da Companhia.
• Dispensa de uso do boletim de voto à distância e mapas de votação.
• Dispensa de divulgação do Informe Brasileiro de Governança Corporativa.
• Dispensa da adoção de política de negociação e divulgação de informações.
• OPA para cancelamento de registro: Quórum reduzido de “mais de 2/3” para “mais de metade” das ações em circulação.

Dispensas legais notáveis:

• Ações preferenciais sem voto ou com voto restrito não adquirirão direito a voto se a companhia deixar de pagar dividendos por 3 exercícios consecutivos.
• Não aplicação dos regramentos sobre dividendo mínimo obrigatório.
• Publicações ordenadas podem ser realizadas conforme Resolução CVM nº 166.

4. Novo papel dos participantes do mercado

Reforça o papel das Entidades Administradoras de Mercados Organizados como “gatekeepers”, atribuindo-lhes deveres e prerrogativas adicionais:

• Registro automático de emissores listados.
• Análise prévia de pedidos de registro de ofertas sujeitas à análise por entidades autorreguladoras (RCVM 160).
• Análise, acompanhamento, supervisão e criação de regras complementares no âmbito da “Oferta Pública Direta”.
• Receber e analisar consultas de CMPs, instruindo-as com pareceres opinativos antes de encaminhá-las à CVM.
• Possibilidade de criação de segmento específico de listagem e negociação para CMPs, se solicitado pela CVM.
• Possibilidade de credenciamento de coordenadores para atuar nas ofertas públicas de valores mobiliários das CMPs por elas listadas.
• Obrigatoriedade de convênio ou acordo de cooperação técnica com a CVM e nomeação de um diretor estatutário responsável pelas regras da Resolução.

O Procedimento de Listagem e Registro Automático de Emissor permitirá às CMPs obter registro de emissor de valores mobiliários (categoria A ou B) de forma automática após listagem em Entidade Administradora de Mercado Organizado.

5. Novas modalidades de oferta no âmbito do FÁCIL

O Regime FÁCIL introduz flexibilizações e uma nova modalidade de oferta, além de permitir o uso integral da RCVM 160 para CMPs que não desejem as dispensas.

5.1. Ofertas públicas por emissores CMP (Art. 29, I – RCVM 160 Integral)
• Nesta modalidade, as CMPs podem utilizar integralmente as disposições da RCVM 160, sem as dispensas do FÁCIL. É importante para esclarecer que as CMPs não estão limitadas aos R$300MM do FÁCIL.

5.2. Ofertas públicas por emissores CMP (Art. 29, II, “a” e Art. 30 – Flexibilizações RCVM 160)
• Público-alvo: Amplo.
• Emissor: Deve ser registrado perante a CVM (categoria A ou B) e ser CMP.
• Limitação: R$300.000.000,00 a cada 12 meses (ofertas consideradas em conjunto).
• Documentos: Prospecto pode ser substituído pelo Formulário FÁCIL, e a lâmina é dispensada.
• Análise Prévia: Realizada pela entidade administradora do mercado organizado.
• Contratação de Instituição Intermediária: Obrigatória.
• Demonstrações Financeiras: Obrigatória auditoria.

5.3. Ofertas públicas por emissores CMP (Art. 29, II, “b” e Art. 31 – flexibilizações RCVM 160 para profissionais)
• Público-alvo: Exclusivamente investidores profissionais, com exceção de regimes próprios de previdência social, entidades fechadas de previdência complementar e fundos de investimentos cujos recursos provenham de tais entidades.
• Emissor: Não precisa de registro junto à CVM, apenas enquadramento como CMP.
• Limitação: R$300.000.000,00 a cada 12 meses.
• Negociação Secundária: Apenas entre investidores profissionais elegíveis.
• Vedação: Distribuição de lote suplementar e colocação para pessoas vinculadas.
• Ciência: Necessidade de termo formal do investidor sobre ausência de auditoria nas demonstrações financeiras (se for o caso).
• Análise Prévia: Dispensada.
• Contratação de Instituição Intermediária: Dispensada.
• Valor Mobiliário: Apenas títulos de dívida.

5.4. Oferta pública direta (nova modalidade)
• Não se aplicam as disposições da Resolução CVM 160 ou 161.
• Público-alvo: Irrestrito.
• Emissor: Registrado na CVM, classificado como CMP e em dia com informações periódicas.
• Deve ocorrer em mercado organizado.
• Contratação de Coordenador: Não há necessidade.
• Limitação: R$300.000.000,00 a cada 12 meses.
• Procedimento Especial: Possibilidade de desistência da oferta até 24h antes do encerramento. Vedado o recebimento de reservas, mas permitidos compromissos firmes de investimento com profissionais para “ancoragem”.
• Análise Prévia: Realizada pela entidade administradora do mercado organizado.
• Contratação de Instituição Intermediária: Dispensada.
• Demonstrações Financeiras: Necessária auditoria.
• Registro da Oferta junto à CVM: Dispensada.

6. Formulário FÁCIL

Substitui o Formulário de Referência para as CMPs. Quando apresentado em razão de oferta direta, deve conter seções específicas com informações sobre a oferta, incluindo “disclaimers sobre a realização de oferta que não foi objeto de análise prévia pela CVM”, características do valor mobiliário, destinação de recursos, potenciais conflitos de interesse, instruções para participação e fatores de risco.

É um documento chave para a transparência e deve ser “atualizado em até 14 dias úteis” caso ocorram alterações significativas na administração, na participação acionária (variação de 5% em diante) ou no capital social da CMP.

FÁCIL transforma o mercado de capitais no país

Para Erik Oioli, sócio do VBSO Advogados, o Regime FÁCIL da CVM tem potencial de transformar o acesso ao mercado de capitais no país.

“O Regime FÁCIL representa um divisor de águas para pequenas e médias companhias, permitindo que negócios com faturamento anual de até R$ 500 milhões acessem recursos de investidores de forma mais ágil, menos onerosa e com maior segurança jurídica. É um passo fundamental para o fortalecimento do middle market brasileiro e para a democratização do financiamento privado”, analisa Erik.

“A simplificação do processo regulatório e a redução dos custos tendem a atrair um novo perfil de emissor e investidor ao mercado de capitais”, afirma a sócia Amanda Visentini, da área de M&A e Societário.

Além disso, as empresas ganham maior previsibilidade para planejar captações, o que favorece setores estratégicos como agronegócio, infraestrutura e economia digital.

“Com a implementação do Regime FÁCIL da CVM, o Brasil se alinha a uma tendência global de estímulo ao acesso ao mercado de capitais por empresas emergentes, fortalecendo o ecossistema de financiamento privado e estimulando o desenvolvimento econômico”, destaca o sócio Henrique Lisboa, da área de Mercado de Capitais.

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