18.11.2025
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Quando os planos de ações viram armadilha jurídica e patrimonial?

Entre 2021 e 2022, o ecossistema de inovação brasileiro viveu um verdadeiro boom. Foram criadas milhares de startups – impulsionadas pela liquidez global, juros baixos e apetite dos fundos de venture capital por novos negócios de base tecnológica. Nesse período, o Brasil recebeu aproximadamente R$ 70 bilhões de reais de investimentos em startups por fundos de venture capital, o maior volume já registrado no país. Nesse contexto, os Planos de Opções de Compra de Ações (Stock Option Plans) tornaram-se um dos principais instrumentos de atração e retenção de talentos.

A promessa era sedutora: participar do crescimento da empresa via participação em ações e colher, no futuro, os frutos de uma liquidez milionária. Mas o que parecia um incentivo financeiro sofisticado pode, em muitos casos, transformar-se em uma armadilha jurídica e patrimonial.

Segundo dados recentes, 8.258 startups brasileiras encerraram suas atividades na última década, quase metade das 16.936 que ainda permanecem ativas . Além disso, mais de 50% delas operam sem gerar receita. Se a maior parte dessas empresas não atinge o sucesso esperado, a pergunta é inevitável: o que acontece com os planos de opções de ações quando o negócio não prospera?

A resposta está longe de ser trivial. Quando a startup enfrenta dificuldades financeiras – atrasos de tributos, passivos trabalhistas ou até uma recuperação judicial – o colaborador que se tornou sócio formal, ainda que sem poder de gestão, pode ser incluído em execuções fiscais ou trabalhistas, sofrer bloqueios patrimoniais e, em último caso, responder solidariamente por dívidas da sociedade.

O que deveria ser um reconhecimento por desempenho acaba se tornando um foco de risco e exposição pessoal.

A legislação oferece caminhos de retirada, mas eles nem sempre são simples. Nas sociedades limitadas, o sócio pode se retirar mediante notificação prévia de 60 dias (se a sociedade for de prazo indeterminado) ou, se o contrato for por prazo determinado, apenas com justa causa judicialmente reconhecida.

O Superior Tribunal de Justiça já confirmou que a dissolução parcial é possível mesmo em sociedades de prazo indeterminado regidas supletivamente pela Lei das S.A. (REsp 1.839.078/SP).

Na prática, contudo, o pedido de retirada pode deflagrar disputas internas e até levar à dissolução integral da sociedade, com partilha de ativos e passivos entre os sócios. E sair, nesses casos, não significa escapar ileso: se a empresa já estiver em crise, o ex-sócio pode continuar respondendo proporcionalmente por obrigações remanescentes.

Além disso, a retirada requer formalidades estritas – notificação expressa e averbação na Junta Comercial em até 60 dias.

Já nas sociedades anônimas, a situação é ainda mais restrita: não existe direito potestativo de retirada, salvo nas hipóteses legais do art. 137 da Lei das S.A. (como fusão, incorporação ou alteração do objeto social). Fora desses casos, a saída depende da venda das ações, operação que, em companhias fechadas, costuma estar sujeita a direitos de preferência e outras restrições contratuais.

Resultado: o executivo pode ficar “preso” ao capital por tempo indeterminado.

Diante desse cenário, ganha relevância a cláusula de opções de vendas (put option) simbólicas – um direito de venda das quotas ou ações por valor nominal, muitas vezes de R$ 1,00.

Esse instrumento funciona como válvula de escape contratual, permitindo ao sócio-executivo encerrar sua participação e sem se expor a novos riscos. A opção de venda simbólica transfere à sociedade ou aos demais sócios a obrigação de adquirir a participação do colaborador em condições pré-definidas, oferecendo segurança jurídica e previsibilidade.

Essa cláusula se mostra especialmente útil em casos em que a empresa passa por dificuldades financeiras, em que o retorno esperado não será alcançado, e muitas das vezes atrelada a saída do profissional do quadro de funcionários.

Em startups que passam por diversas rodadas de captação e concentram o poder decisório no investidor majoritário, a opção de venda simbólica é o mecanismo que permite uma saída rápida e limpa, sem contaminação por passivos futuros e sem necessidade de uma negociação.

No ambiente das startups, onde a velocidade das decisões e a volatilidade dos resultados são a regra, a clareza nas regras de entrada e saída é o que diferencia um incentivo inteligente de uma armadilha jurídica.

Outra solução para reduzir riscos são os planos de phantom shares (ou “ações fantasmas”). Eles reproduzem o benefício econômico da valorização da empresa sem conceder participação societária formal. O beneficiário recebe um bônus financeiro vinculado a valorização das quotas ou ações, mas não adquire poder político nem assume responsabilidades como sócio.

Embora sejam tratados como remuneração para fins fiscais, os planos de phantom shares preservam o incentivo econômico sem expor o executivo a litígios ou riscos patrimoniais.

Num mercado em que a entrada de talentos no capital das startups tornou-se corriqueira, é essencial que essa entrada venha acompanhada de uma saída segura. Afinal, um bom plano de incentivos deve estimular o desempenho, não se transformar em uma pedra no sapato de quem ajudou a construir a empresa.

Artigo publicado originalmente na Revista Capital Aberto. Clique aqui para acessar

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