09.04.2025
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Compartilhamento de custos em grupos empresariais: tratamento para o IBS e a CBS

A dinâmica dos grupos empresariais e a busca por eficiência torna comum a centralização em uma única pessoa jurídica, de gastos incorridos em benefício de todos os componentes do grupo. Para a gestão de caixa e preservação do princípio da entidade, as pessoas jurídicas beneficiadas por esses gastos procedem ao reembolso para a pessoa jurídica centralizadora, observando critérios objetivos e razoáveis de rateio. São os chamados contratos de compartilhamento de custos e despesas ou, ainda, cost sharing agreements.

Há anos, o tratamento tributário desses contratos está envolto de dúvidas, com divergências interpretativas entre contribuintes e autoridades fiscais (especialmente federais, para o IRPJ, a CSLL, a Contribuição para o PIS e a Cofins, e municipais, quanto ao ISS). Com a reforma da tributação do consumo, essas dúvidas ganham um novo capítulo: haverá incidência de IBS e CBS nas operações realizadas no contexto desses contratos de compartilhamento?

Para delimitar o escopo dessa análise, este artigo não se preocupará em retomar as discussões relativas aos tributos atualmente vigentes. Isso porque os parâmetros para análise da incidência desses tributos são absolutamente distintos daqueles a serem considerados para fins de IBS e CBS. Além disso, trataremos apenas do compartilhamento doméstico, isto é, realizado entre empresas domiciliadas no Brasil.

Assim, a situação a ser analisada envolve uma pessoa jurídica que efetua gasto em benefício de outra pessoa jurídica do seu grupo econômico, e é ressarcida mediante reembolso efetuado por esta. Esses gastos podem representar pagamentos (i) a fornecedores terceirizados, como é o caso, por exemplo, de um escritório de contabilidade contratado para efetuar os registros de todas as empresas de um grupo (compartilhamento de gastos com terceiros) ou (ii) de despesas “próprias”, ou seja, com pessoas que integram seus quadros de funcionários, com infraestrutura compartilhada, com ativos adquiridos centralizadamente, etc. Como será retomado, a distinção de cada uma dessas situações será relevante para o IBS e a CBS.

Fato gerador do IBS e da CBS e contratos de compartilhamento

Para analisar a incidência do IBS e da CBS sobre contratos de compartilhamento de custos devemos voltar à distinção que já apresentamos anteriormente entre o compartilhamento de custos internos da centralizadora e aquele referente a pagamentos feitos pela centralizadora a terceiros, por conta e ordem das demais entidades do grupo signatárias do contrato.

Objetivamente, a Lei Complementar nº 214/2025 define a hipótese de incidência do IBS e da CBS como a realização (i) de quaisquer operações onerosas com bens e serviços (artigo 4º) e (ii) de certas operações não onerosas expressamente indicadas na lei (artigo 5º). Como bem se sabe, nesse contexto, “bens” abrangem aqueles materiais ou imateriais, inclusive direitos, enquanto operações com serviços são definidas como todas aquelas que não envolvem bens, conforme previsões do inciso I do artigo 3º.

Por esse aspecto, a hipótese de incidência é extremamente abrangente, superando concepções atuais que pautam a discussão sobre o compartilhamento de custos (existência de renda ou receita, prestação de serviço etc.). Nesse sentido, o parágrafo 3º do artigo 4º da Lei Complementar nº 214/2025 prevê que, para a tributação de operações onerosas, é irrelevante a forma do negócio jurídico ou a obtenção de lucro com a operação.

Diante da abrangência da hipótese de incidência, parece possível afirmar que um compartilhamento de custos e de despesas referentes a custos internos da entidade centralizadora estaria sujeito ao IBS e à CBS, mesmo que estruturado com base em mecanismos de “reembolso”. Isso porque a empresa centralizadora recebe uma “contraprestação” (reembolso) pelo “fornecimento” de bens e serviços para as demais empresas envolvidas no rateio.

No caso do compartilhamento de custos da contratação de terceiros, seria possível sustentar que a empresa centralizadora não forneceria bens e serviços, na medida em que o seu papel se resumiria à realização de pagamentos por conta e ordem das demais entidades. Nessa lógica, seriam esses terceiros os efetivos fornecedores de bens e serviços, sejam eles empregados da centralizadora (não contribuintes do IBS e da CBS) ou outras pessoas jurídicas (possivelmente contribuintes).

No entanto, vale lembrar que o parágrafo 3º do artigo 4º da Lei Complementar nº 214/2025 prevê que, para a tributação de operações onerosas, é irrelevante a forma do negócio jurídico ou a obtenção de lucro com a operação.

No caso do compartilhamento de gastos com terceiros, a centralizadora é responsável por pagar a contraprestação de um fornecimento que é destinado a outra empresa. Essa espécie de “intermediação”, apesar de não caracterizar uma prestação de serviço na acepção civilista, pode ser considerada um fornecimento em si mesmo, diante da ampla definição de “serviços” para fins de IBS e de CBS.

Apesar de esses comentários envolverem operações onerosas, também parece haver repercussão para o IBS e a CBS no que se refere aos gastos incorridos por uma pessoa jurídica em benefício das demais, ainda que não haja qualquer forma de reembolso ou que o reembolso não seja suficiente para refletir a parcela do custo que efetivamente compete à pessoa jurídica beneficiária. Isso porque o artigo 5º Lei Complementar nº 214/2025 prevê a tributação de operações entre partes relacionadas, inclusive quando não há onerosidade ou quando os valores praticados são inferiores às práticas de mercado.

A definição de partes relacionadas trazida na Lei Complementar nº 214/2025 possui clara inspiração na legislação de preços de transferência, reproduzindo as previsões observadas na Lei nº 14.596/2023. Essa inspiração também parece ter levado à exigência, no artigo 12, parágrafo 4º, inciso IV, de que as operações não onerosas (incluindo aquelas entre partes relacionadas) sejam tributadas pelo IBS e a CBS considerando como base de cálculo o “valor de mercado dos bens ou serviços” correspondente ao valor observado “em operações comparáveis entre partes não relacionadas”.

Ou seja, ainda que não houvesse cobrança entre empresas de um grupo econômico dos gastos suportadas por uma delas em benefício das demais, haveria necessidade de mensurar o “valor de mercado” desse fornecimento para apuração do IBS e da CSB devidos [1].

Até aqui, é possível concluir que qualquer compartilhamento, formalizado ou não, parece apto a ser tributado pelo IBS e CBS. Afinal, se houver reembolso, a operação será tida como onerosa, sujeitando-se às regras gerais de incidência. Por outro lado, se não houver reembolso (por exemplo, despesas incorridas em favor de outra empresa do grupo, mas não formalizadas por um cost sharing), a operação será tributada de acordo com a previsão específica voltada para operações entre partes relacionadas.

Base de cálculo do IBS e da CBS: possível não tributação de reembolsos

Em meio a esse contexto, uma previsão relacionada à delimitação da base de cálculo poderia ser utilizada para afastar a tributação do compartilhamento de custos. Trata-se do artigo 12, parágrafo 2º, inciso IV, da Lei Complementar nº 214/2025, que retira da base de cálculo do IBS e da CBS “os reembolsos ou ressarcimentos recebidos por valores pagos relativos a operações por conta e ordem ou em nome de terceiros, desde que a documentação fiscal relativa a essas operações seja emitida em nome do terceiro”.

Essa previsão deve ser analisada com cuidado. A menção inicial aos “reembolsos” ou “ressarcimentos” não deve ser confundida com uma autorização para afastar a tributação de qualquer uma dessas hipóteses. Isso porque o dispositivo legal tem um escopo bem delimitado. Sua aplicação se dá nos casos em que X realiza um pagamento para Y por conta e ordem ou em nome de Z.

Caso Z proceda com reembolso para X, esse montante não comporá a base de cálculo do IBS e da CBS, desde que a documentação fiscal relacionada às operações “seja emitida em nome” de Z. Ou seja, o requisito fixado pelo legislador complementar envolve a emissão de documento fiscal que já indique, de antemão, aquele por ordem de quem o pagamento será realizado. O que se observa, portanto, é uma previsão voltada para casos em que o pagamento de valor determinado é sabidamente realizado para quitar a obrigação de um terceiro.

Apesar de sinalizar uma possível não tributação de reembolsos, o requisito exigido não é observado, atualmente, na maior parte das situações objeto de compartilhamento de gastos com terceiros. Hoje é comum que esse terceiro emita uma nota fiscal diretamente para a empresa centralizadora, sem qualquer menção às demais empresas beneficiadas. Em geral, esse fornecedor não tem conhecimento dos critérios de rateio que serão adotados pelo grupo econômico, não havendo possibilidade de individualizar os montantes a serem atribuídos a cada empresa.

Não há dúvida de que a reforma tributária demandará alterações e ajustes em relação a diversos hábitos empresariais. Havendo possibilidade dessa individualização prévia e da emissão de documento fiscal com indicação de cada uma das beneficiadas pelo fornecimento, parece possível se valer do artigo 12, parágrafo 2º, inciso IV para evitar a tributação dos reembolsos. Apesar disso, outra situação típica de compartilhamento pode impor desafios adicionais diante do requisito detalhado acima: o compartilhamento de gastos próprios, envolvendo folha de salários e mão de obra celetista.

Nesses casos, o fornecimento do serviço pela pessoa física não está sujeito ao IBS e CBS, considerando a hipótese de não incidência evidenciada no artigo 6º, inciso I, alínea “a”. Esse fornecedor, portanto, não emitirá documento fiscal, ao menos não nos termos estabelecidos no artigo 60 da Lei Complementar nº 214/2025. Em princípio, não se mostra possível, nessa situação, atender ao requisito para afastar a tributação de reembolsos, de modo que a tributação pelo IBS e CBS prevalece.

Para além das previsões extraídas do artigo 12, também seria cogitar uma solução a partir do artigo 5º, parágrafo 7º. Nesse caso, o legislador complementar autorizaria que a regulamentação flexibilizasse “exigência de verificação do valor de mercado” nas operações não onerosas, ou de valor inferior ao de mercado, realizadas em partes não relacionadas, observados outros requisitos específicos.

Neste artigo, descabe aprofundar a análise dessa hipótese, na medida em que tratamos de arranjos de compartilhamento em que efetivamente há uma “contraprestação” (o reembolso). Além disso, mesmo que o reembolso reflita um valor inferior àquele de mercado, o parágrafo 7º não autoriza que o regulamento afaste a tributação, mas apenas que simplifique a forma de mensurar a base de cálculo. Ou seja, trata-se de previsão voltada a conformar a base de cálculo, e não a afastar a incidência dos tributos. Com isso, não havendo aplicação do artigo 12, parágrafo 2º, inciso IV, continuaria devida a tributação em relação ao montante do reembolso.

Compartilhamento e créditos da não cumulatividade

Além das questões acima, a análise da legislação de IBS e CBS demanda atenção a outro aspecto: o creditamento. Isso porque a criação desses tributos veio acompanhada de promessas de instituição de uma não cumulatividade ampla. Notadamente, o artigo 47 da Lei Complementar nº 214/2025 exige que o IBS e a CBS incidentes na operação tenham sido extintos por qualquer uma das modalidades de quitação admitidas.

Apenas enquanto não instituídos os mecanismos de split payment ou o recolhimento pelo adquirente, haverá a possibilidade de apropriar créditos com base no valor destacado em documento fiscal, conforme artigo 48. Em qualquer caso, o pressuposto para a apropriação de crédito é a sujeição ao IBS e à CBS do fornecimento dos bens e serviços que forem adquiridos.

Diante disso, a distinção apresentada entre o compartilhamento de custos da contratação de terceiros e o compartilhamento de custos internos da centralizadora também será relevante. Iniciemos a análise quanto ao creditamento por essa primeira hipótese.

Como mencionado, o fornecimento realizado por um terceiro representa, como regra, uma operação sujeita ao IBS e à CBS. Logo, no cenário inicial de adoção da reforma tributária, a empresa centralizadora que realiza o pagamento teria a possibilidade de apropriar créditos em relação ao valor do tributo destacado em nota, salvo aplicação de outra hipótese específica de limitação ao creditamento (por exemplo, bens de uso e consumo pessoal).

Mantendo o foco nas situações ordinárias, os efeitos potencialmente prejudiciais da tributação do reembolso recebido pela centralizadora seriam, em teoria, neutralizados. Isso porque o débito incidente sobre o reembolso poderia ser confrontado com o crédito obtido no documento fiscal emitido pelo fornecedor terceiro. Sem prejuízo do cumprimento de deveres instrumentais inexistentes na atualidade, não haveria impacto financeiro — em termos nominais — para a centralizadora.

Além disso, como tratado acima, a Lei Complementar nº 214/2025 apresenta uma alternativa para que o reembolso não seja, em si, tributado. No caso em que a empresa centralizadora realize pagamento para o fornecedor terceiro, mas seu documento fiscal indique cada empresa beneficiária (na proporção do rateio), o reembolso recebido não compõe a base de cálculo. Nessa hipótese de pagamento “por conta e ordem ou em nome de terceiro”, artigo 3º, inciso IV, inciso “b”, o adquirente é considerado aquele por conta ou em nome de quem o pagamento foi feito. Ou seja, o papel de adquirente seria desempenhado por cada empresa beneficiária.

Como é o adquirente aquele habilitado a apropriar crédito, seriam beneficiárias aquelas que se creditassem do IBS e da CBS destacado pelo fornecedor terceiro. Por outro lado, a centralizadora não tributaria o reembolso, mas não apuraria créditos.

Uma certa neutralidade parece ser alcançada no compartilhamento de gastos com a contratação de terceiros, por meio de diferentes alternativas a serem exploradas.

Todavia, existe outra hipótese de compartilhamento a ser analisada: aquela envolvendo os gastos internos da própria centralizadora. Nesse caso, a neutralidade apontada acima parece não ser observada, especialmente quando há rateio dos salários pagos a empregados e executivos. Isso se deve aos requisitos do creditamento apontados acima: salários pagos a pessoas físicas no contexto da relação de emprego não são tributados pelo IBS e a CBS e, consequentemente, não geram créditos.

Se, nesses casos, parece que os reembolsos serão tributados por impossibilidade de atender ao requisito formal artigo 12, parágrafo 2º, inciso IV, também é certo que a empresa centralizadora não apropriará crédito. Ao receber o rateio, apurará um débito. O confronto com créditos que mitigaria os impactos da tributação do compartilhamento não existiria. Logo, a empresa centralizadora possivelmente se veria forçada a desembolsar caixa para quitar o IBS e a CBS.

Por certo, havendo essa tributação, a empresa beneficiária que realiza o rateio poderá apropriar créditos de IBS e CBS. Ou seja, o débito da centralizadora é o crédito da beneficiária envolvida no rateio. Ainda assim, a concretização desse tratamento demandará uma modificação das políticas de gestão de caixa nos grupos econômicos, alterando dinâmicas atualmente consolidadas.

Conclusões

As questões indicadas acima buscam evidenciar que a lógica para analisar a tributação de contratos de compartilhamento de custos e despesas deverá ser modificada uma vez que IBS e CBS passem a ser exigidos. Não existe uma correlação óbvia nem necessária entre os argumentos utilizados, atualmente, em discussões relacionadas aos antecessores desses novos tributos (notadamente, PIS, Cofins e ISS).

É preciso, como em todos os demais pontos da Reforma Tributária, uma análise cuidadosa e específica da legislação de IBS e de CBS. Examinando a Lei Complementar nº 214/2025, o que se constata é que os contratos de compartilhamento envolvem potencialmente fornecimento de bens e serviços que são, em princípio, tributados pelo IBS e pela CBS.

A efetividade da tributação parece obstada apenas pelo cumprimento de requisitos formais relacionadas à emissão de documento fiscal por fornecedor cujos bens e serviços serão rateados no grupo econômico. Certas situações atuais, no entanto, não demonstram viabilidade no cumprimento desse requisito, tal como se observa em relação ao rateio de gastos com folha de salários.

Sem prejuízo de todas as colocações acima, é importante destacar que o creditamento amplo de IBS e de CBS disciplinado no artigo 47 da Lei Complementar nº 214/2025 pode minimizar os efeitos prejudiciais da tributação de contratos de compartilhamento. Afinal, eventual recolhimento desses tributos realizado pela empresa centralizadora permitiria a apropriação de créditos pela empresa que procede ao reembolso. Naturalmente, esse cenário impõe novos desafios em relação à gestão de caixa nos grupos empresariais, além de gerar ambivalências no período de transição da reforma tributária.

Isso porque as discussões apresentadas acima se somarão, ao menos temporariamente, aos debates já enfrentados pelos contribuintes em relação ao PIS, Cofins e ISS. Logo, ao revisar estruturas e procedimentos, será preciso considerar os reflexos tanto para tributos antigos quanto para tributos novos.

Este artigo apresenta uma primeira aproximação quanto a esse relevante tema. Para além da necessária diferenciação entre formas de compartilhamento (gastos próprios ou com terceiros), ainda é preciso analisar uma série de outras previsões da Lei Complementar nº 214/2025. Com sorte, teremos contribuído para lançar luz a essas novas questões que a reforma tributária trouxe consigo.

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[1] Outra discussão relevante é a seguinte: a exigência de mensuração da base de cálculo a partir de valores de mercado é aplicável a toda e qualquer operação entre partes não relacionadas? Essas questões merecem uma avaliação específica, a ser oportunamente apresentada.

Artigo publicado originalmente no Conjur. Clique aqui para acessar

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