Os ruídos no ambiente interno e o aumento de incertezas têm travado o número de transações de fusões e aquisições (M&As, na sigla e inglês) no Brasil, algo que pode marcar um novo ano de queda das operações no mercado local. No ano até o último dia 17, conforme dados da Dealogic, consultoria que coleta os dados de mercado em todo o mundo, o número de operações chegou em 350, queda de 19% na relação anual. Por outro lado, com negócios pesos-pesados, como a recente união dos hospitais de Dasa e Amil, o volume financeiro foi na direção contrária, atingindo nomesmo período R$ 90,7 bilhões, aumento de 29%, também no comparativo anual.
Segundo fontes consultadas pelo Valor, dúvidas em relação à reforma tributária, por exemplo, têm pesado contra neste momento, com investidores financeiros e estratégicos aguardando definições para voltar a colocar combustível na snegociações. O ponto é que, diante das incertezas atuais, há dificuldade em se acordar um preço nos ativos, o que pode atrasar o fechamento de transações, dizem banqueiros de investimento.
Para o chefe global do Itaú BBA, Roderick Greenlees, a visão é, no entanto, positiva para M&A, com operações relevantes ocorrendo em diversos setores da economia. “Vemos movimentos de consolidação, de forma a racionalizar custos”, afirma o executivo.
Dentre os movimentos de consolidação setoriais, está a Arezzo que se uniu à Soma, em um dos principais negócios do ano. Estratégia semelhante foi vista entre Petz e Cobasi, no setor de varejo pet. Entre as chamadas “junior oils”, Enauta e 3R também uniram forças, movimento estratégico esperado para ser replicado no setor. Em energia, um dos segmentos mais ativos no ano, a reciclagem de portfólio marcou grandes transações, como a venda das usinas térmicas da Eletrobras para a Âmbar ,do grupo J&F. Ainda em energia, setor que segue como o mais ativo em M&A, o controle da AES foi vendido à Auren. Todas essas operações contribuíram para o aumento do tíquete médio dos negócios, dando suporte para o aumento em termos financeiros no ano.
Greenlees, do Itaú BBA, afirma que o pipeline de operações do banco segue até aqui forte e crescente, mas reconhece que nas últimas semanas os ruídos de Brasília têm gerado incertezas, o que pode atrasar o fechamento de parte das transações. A atividade mais forte no banco também reflete, segundo ele, aumento de “marketshare”, com uma atuação também em transações no chamado middle market, coma estruturação de uma área focada em operações médias, algo que antes ficava de fora do radar do banco de investimento do Itaú.
O responsável pela área de M&A do Bank of America (BofA) no Brasil, Diogo Aragão, confirma que os mandatos continuam sendo fechados, mas a dúvida no momento é se será possível manter o ritmo no segundo semestre, dado o atual nível de incerteza, incluindo nessa conta as eleições americanas. Se a entrada de mandatos desaquecer no segundo semestre do ano, Aragão aponta que um dos efeitos será um hiato de transações anunciadas no início de 2025, dado o tempo exigido para a maturação dos negócios, algo típico em M&A. Ele frisa que as principais transações fechadas nos últimos meses – e que trouxeram volume financeiro relevante para a indústria – tratam-se de operações gestadas em anos anteriores.
Pesa também contra, segundo o executivo do BofA, a volatilidade cambial, fator que traz um novo adicional de incerteza na mesa dos investidores. “O investidor de M&A é de longo prazo e não se importa em onde o dólar está hoje, mas a volatilidade atrapalha muito.”
E outro ponto, mais indireto, também tem afetado as negociações de fusões e aquisições, segundo Aragão. “O mercado de M&A é menos impactado por esse fluxo de notícia ruim, mas chega num ponto em que fica mais difícil dissociar.” Isso porque, explica o executivo, o mercado de ações anêmico e a fraca performance dos papéis das empresas listadas fazem com que o segmento de M&A perca seu referencial de preço. E transações, com isso, podem ficar no caminho.
O aumento dos ruídos, segundo o sócio da Seneca Evercore Daniel Wainstein, tem afetado o fechamento das operações, algo que já começa, dessa forma, a refletir nos números. “A volatilidade e quebra de expectativas gera, obviamente, incerteza por parte de investidores e compradores estratégicos, que buscam uma melhor visibilidade pelo cenário de crescimento, inflação, taxa de juros e câmbio antes de concluir uma transação”, afirma o executivo. Ele aponta, contudo, que esse cenário não faz os investidores desistirem das transações relevantes, mas atrasa todo o processo, algo já notado nos dados coletados.
Wainstein detalha que, ainda olhando o número de transações anunciadas até aqui, trata-se do menor volume semestral dos últimos cinco anos e que o crescimento em termos financeiros revela o peso de grandes operações no período. “O volume atual, portanto, é sustentado primordialmente por algumas poucas e grandes transações no setor de energia e recursos naturais, principalmente relacionadas à exploração de petróleo e geração de energia”, diz.
Existe ainda uma quebra de expectativas, o que tem frustrado investidores. O sócio da Seneca Evercore destaca outro sinal negativo para o mercado: a queda de operações “cross-boarder”, que são aquelas envolvendo compradores estrangeiros. Se no ano passado esse tipo de negócio abocanhou uma fatia de 64% do total, no ano até aqui foi de 9%. “O ruído da comunicação e indicações desencontradas sendo repassadas para o mercado acaba assustando o investidor e, inevitavelmente, o internacional é o primeiro a demonstrar contração de seu apetite”, diz.
Renata Simon, sócia de M&A e societário do VBSO Advogados, vê um cenário demais desafio e negociações travadas, dadas as incertezas. “O mercado de M&A no país parou, em boa parte, pela falta de previsibilidade se o governo brasileiro conseguirá controlar as contas públicas. O governo até agora não sinalizou o freio nos gastos públicos, e o mercado está preocupado que ele não conseguirá cumprir a meta fiscal”, diz a advogada. Outro ponto que também reflete um período mais fraco para M&A, segundo ela, é a atividade mais tímida dos fundos de private equity, que são aqueles que compram participações em empresas, sendo esse um dos motivos da janela fechada para estreias na bolsa brasileira há quase três anos.