Com a chegada da temporada de assembleias gerais ordinárias, volta à tona um tema sensível: a eleição em separado, por acionistas minoritários, de membros do conselho de administração e do conselho fiscal.
Pelo fato de as companhias brasileiras serem marcadas por uma alta concentração acionária, em que acionistas controladores detêm uma parcela expressiva do capital social votante, o direito de eleição em separado é celebrado como um instrumento legítimo de governança corporativa, com o propósito de assegurar a proteção dos acionistas minoritários. De fato, trata-se de uma ferramenta legal capaz de proporcionar diversidade aos colegiados e permitir o exercício de uma fiscalização mais próxima dos atos da administração, visando que as decisões sejam tomadas em conformidade com o interesse social.
Assim, a eleição em separado funciona como um contraponto à concentração acionária, propiciando aos minoritários a chance de participar da estratégia da companhia ou de, ao menos, acompanhar de perto sua execução, por meio da indicação de representantes competentes e alinhados ao propósito de fortalecimento da governança.
Entretanto, o uso crescente desse mecanismo tem revelado, em alguns casos, seu lado menos virtuoso. Isso porque, ainda que concebidas como instrumento de fortalecimento institucional, as eleições em separado podem, excepcionalmente, ser utilizadas de maneira disfuncional, ensejando desvios de finalidade por parte de acionistas minoritários que, sob o pretexto de fiscalizar a gestão, promovem eleição de nomes ligados a seus interesses pessoais. Ainda pior são os casos em que acionistas minoritários sob influência dominante do controlador indicam e elegem candidatos em separado cerceando o direito essencial de fiscalização legitimo dos minoritários.
É bem verdade que o legislador se preocupou em preservar a integridade do processo eleitoral e impedir, por exemplo, o uso desse direito por acionistas que ingressaram na companhia apenas às vésperas da eleição, exigindo, para a eleição em separado do Conselho de Administração, comprovação de titularidade ininterrupta das ações nos 90 dias anteriores à data da assembleia. Contudo, o mesmo não ocorre na eleição para o Conselho Fiscal, em que não é incomum as companhias depararem-se com indicação de candidatos por acionistas recém ingressos (na maioria das vezes, sua autocandidatura). Alguns parecem visar exclusivamente a ocupação de um cargo remunerado na companhia.
Para que o instituto das eleições em separado atinja plenamente sua finalidade de aprimorar a governança e fortalecer a participação dos minoritários, é imprescindível que sua aplicação seja pautada na observância dos princípios da boa-fé e da responsabilidade societária. A escolha de conselheiros deve priorizar critérios técnicos e a compatibilidade com o interesse social da companhia, garantindo que desempenhem suas funções de maneira eficaz e imparcial.
A diferença entre o remédio e o veneno, nesse contexto, reside na dosagem: a eficácia das eleições em separado para uma boa governança depende do uso adequado dos direitos conferidos aos acionistas minoritários, evitando sua deturpação por agentes de perfil estratégico e assegurando que o processo eleitoral seja conduzido em conformidade com a legislação e orientado pelo interesse social da companhia.
Artigo publicado originalmente na revista Capital Aberto. Clique aqui para acessar