O cenário de recuperação judicial no agronegócio brasileiro apresenta crescimento relevante. De acordo com a Serasa, no primeiro trimestre de 2025, houve um aumento de 38% no número de pedidos de recuperação judicial de agentes do setor agroindustrial em comparação com o mesmo período do ano anterior. Este incremento dá continuidade a um movimento já observado em 2023 e principalmente em 2024, quando houve um recorde histórico na utilização desse instrumento jurídico por produtores rurais.
Em entrevista à Record News Rural, o sócio José Afonso Leirião Filho destaca que, em 2024, houve um aumento de 350% no número de pedidos apenas para produtores pessoas físicas em relação ao período anterior. Embora o número total de requerentes de recuperação judicial no agro tenha sido de aproximadamente 1.270 naquele ano, o que parece alto, é preciso considerar que existem mais de 1,4 milhão de agentes econômicos que obtiveram crédito para atuação no setor.
As razões para este aumento são multifacetadas, incluindo fatores econômico-financeiros, como o incremento dos juros e o encarecimento dos insumos, que dificultam a manutenção das margens de lucro. Fatores específicos da atividade de produção rural também contribuem, como desbalanceamentos climáticos e as quebras de safra, citando o exemplo do Rio Grande do Sul, que gerou perdas relevantes. Além disso, há uma proximidade maior com o mecanismo da recuperação judicial, que tem se tornado uma alternativa mais usada, principalmente por produtores.
A recuperação judicial apresenta bom funcionamento, na maioria das vezes, em situações de crises de liquidez. O diagnóstico para recorrer a este mecanismo, contudo, é fundamental, pois como tudo, possui ônus e bônus, sendo um mecanismo caro, complexo e longo, que também gera conflitos com credores e dificulta o acesso a novos recursos. A análise deve ser de natureza financeira e jurídica para compreender o endividamento, a concentração e as garantias. Para que o pedido seja aceito pelo judiciário, o devedor precisa reunir os requisitos necessários, sendo a premissa lógica a existência de atividade econômica, no caso, a produção rural. Alterações na legislação que entraram em vigor em 2021 tornaram a apresentação de documentação mais completa possível importante para aumentar a chance de acesso ao instituto.
José Afonso ressalta que nem todos os casos encontram a resposta mais adequada na recuperação judicial. A análise é casuística e deve considerar não apenas a parte financeira e econômica, mas também a forma de gestão do negócio e a capacidade de arcar com os custos do processo. Existem alternativas como a negociação direta e a recuperação extrajudicial, passando também pela liquidação de parte dos ativos, a reestruturação do endividamento e a adição de gestão e governança, que podem ser suficientes, sem a necessidade de um processo mais traumático. A falta de rigor nessa análise antes de se partir a uma recuperação judicial, por vezes, gera conflito no mercado.
Um ponto importante mencionado como fator que poderia mitigar riscos e potencialmente reduzir o número de recuperações judiciais é o seguro rural. Infelizmente, o formato atual do seguro rural no Brasil não comporta o tamanho e a necessidade de mitigação de riscos do setor. Em outros países, como os Estados Unidos, o seguro rural é muito utilizado e há poucos casos de recuperação judicial de produtor rural, indicando a importância dessa ferramenta. O seguro rural ajudaria o produtor a enfrentar momentos de desbalanceamento. Além disso, com o crédito privado e o mercado de capitais se tornando cada vez mais importantes para o financiamento do setor, a governança e a transparência são também relevantes para o produtor acessar essas linhas de financiamento mais sofisticadas.