03.12.2024
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TIDC: produto tokenizado emula o funcionamento dos FIDCs e aguarda regulação para deslanchar

Com a crescente onda do uso de blockchain, a tokenização de ativos tradicionais e a criação de produtos como os Tokens de Investimento em Direitos Creditórios (TIDCs), que emula o funcionamento dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs), tem se tornado progressiva.

Com a tecnologia, é possível democratizar o acesso a investimentos e aumentar a eficiência das operações. Segundo a Liqi, tokenizadora responsável pela criação do TIDC, esse produto, por exemplo, reduz os custos de uma operação tradicional de FIDC em até 60%. No entanto, a oferta do produto tem sido feita sem esforço de venda a mercado, uma vez que o protocolo ainda está sendo testado.

A estrutura do TIDC foi criada pela Liqi, com o apoio do VBSO Advogados para a parte jurídica. A primeira operação ocorreu em 2023, com o produto lançado em uma colaboração entre Itaú, Liqi e Oliveira Trust. Há algumas semanas, a Liqi também lançou um TIDC de crédito consignado tokenizado para funcionários públicos juntamente com a Peak.

“Basicamente, a ideia é, de fato, tentar emular o funcionamento de um Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDC), sem utilizar a estrutura de um fundo, e utilizando blockchain. A grande novidade do TIDC é que, diferente de outras operações de tokenização, o uso do blockchain não é meramente como um instrumento de registro e controle de ativos”, comenta Henrique Vicentin Lisboa, sócio de Mercado de Capitais no VBSO Advogados.

“O TIDC é um protocolo tecnológico comum que tem o papel de fazer uma gestão, uma operação de mercado de capitais. Ele é um protocolo, é tecnologia. Não é um FIDC, porque não tem um CNPJ. É um software programado em blockchain. Do ponto de vista de software ou de operação, é como um FIDC, só que para ser um FIDC, eu precisaria ter todo o arcabouço regulatório por cima dele”, esclarece Daniel Coquieri, CEO da Liqi.

O advogado do VBSO explica que é possível, por exemplo, emitir uma CCB, tokenizar, registrar a titularidade dessa CCB em blockchain e fazer, por meio dessa rede, um controle da titularidade. “Isso é perfeitamente possível e é o que se faz na maior parte das operações de tokenização. O diferencial do TIDC foi a criação de smart contracts, de protocolos registrados na própria blockchain, que vão operacionalizar essa operação revolvente de aquisição de direitos creditórios na mesma linha do que eu faria dentro de um fundo de investimento em direitos creditórios.”

O smart contract vai conter as regras de critério de legibilidade, à medida que os ativos iniciais forem sendo pagos, e é possível fazer uma revolvência automática com o próprio protocolo, controlando a entrada ou não desse ativo.
Olhando o conceito do produto, ele representa uma carteira de ativos, de direitos creditórios, que pode ter revolvência, que tem regras de elegibilidade, uma série de controles e patrimônio como um fundo, mas é apenas tecnologia. Com o TIDC, os protocolos, não só para critério de legibilidade, mas para o próprio controle de pagamentos dos recursos, foram todos automatizados.

“Via essas diferentes camadas de tokenização, todos os ativos no TIDC são tokenizados, mas o token que o investidor compra é uma camada seguinte. E conseguimos também fazer subordinação dentro desse token. Tenho um investidor na ponta do token sênior e um investidor na ponta do token subordinado”, comenta o advogado do VBSO.

O advogado explica que, da mesma forma que na cota sênior e na subordinada de um FIDC, no TIDC, o token holder subordinado só vai receber à medida que o token sênior for pago. “Se houver inadimplência na carteira de ativos e tokenizados dentro do TIDC, o token holder subordinado sofre as perdas primeiro.”

Regulação adaptável

Embora se assemelhe ao FIDC, a estrutura do TIDC é diferente e mutável, bem como a regulamentação a qual está sujeito, dependendo do que está “por baixo” do produto. “É um ponto interessante. No final do dia, ele pode entrar em todas”, diz o CEO da Liqi.

Da forma como o TIDC foi pensado, segundo o advogado do VBSO, a oferta pública dos tokens sêniores e subordinados necessariamente faz deles um valor mobiliário, portanto, a sua oferta pública demandaria a observância das regras da resolução 160 da CVM ou da própria resolução 88 do Crowdfunding.

“Por isso que as operações que saíram, inclusive essa recente da Liqi, são todas privadas, por um único investidor, sem esforço de venda a mercado, exatamente porque o protocolo ainda está sendo testado e precisamos encontrar alternativas junto à CVM de como fazer a oferta pública e qual é a melhor formatação para enquadramento nessas regras.”

Um TIDC a mercado provavelmente seguiria as regras da resolução 88 e envolveria a inclusão de uma camada de securitização, com um certificado de recebível, fazendo o papel desse token sênior e desse token subordinado para atender às regras. Procurada sobre possíveis ajustes na regulamentação que enquadrasse os TIDCs, a CVM informou que não faz projeções, avaliações, etc. sobre um determinado
produto.

O TIDC possui em sua natureza a versatilidade e capacidade de ser uma alternativa utilizando blockchain e a tecnologia de registro distribuído, de maneira que seja possível colocar “debaixo dele” qualquer modalidade de ativo que caberia em outra estrutura de securitização no mercado.

A Liqi, inclusive, tem cerca de R$ 80 milhões de operação de crédito para emitir via TIDC com outras grandes empresas ainda este ano. Os nomes ainda não podem ser divulgados, no entanto, as operações possuem lastro em contratos de aluguel B2B de equipamentos. “A empresa aluga um equipamento e gera um direito creditório. Estamos tokenizando esses contratos para poder fazer a cessão e o investidor adquirir através do TIDC. Já temos CCB, nota comercial, risco sacado. Agora vão entrar esses contratos de prestação de serviço, praticamente, também como lastro”, comenta o CEO da empresa.

Para Coquieri, o desafio de implementação, visto que o produto ainda é inovador e o mercado de capitais “é delicado” no quesito confiança, acabam fazendo o processo ser mais demorado do que gostaria, mas as perspectivas para o TIDC são positivas. A operação tende a oferecer segurança ao mercado, porque as regras são programadas em blockchain de maneira imutável. “Aquilo que você combinou com a outra parte na operação, vai ser executado”, diz Coquieri.

No TIDC, como todas as informações estão dentro da rede blockchain, as partes acabam tendo as informações em tempo real, gerando segurança a elas e uma redução de custo de infraestrutura e de prestação de serviço, porque há menos pessoas cuidando da operação.

O produto diminui, inclusive, a possibilidade de fraude, porque não há como alterar um smart contract para mudar uma regra que foi pré-estabelecida. “Hoje em dia, geralmente, em uma empresa, alguém pega o ativo, olha, confere com o regulamento do fundo. Já o TIDC é autônomo, a regra está lá, se bater [com o regulamento], ele executa e compra aquele ativo sem ninguém precisar olhar, e essa regra é imutável.”

Para o advogado do VBSO o cenário também é otimista, no entanto, o mercado ainda está em um momento de estudo e de aperfeiçoamento das regras tanto do Banco Central quanto da CVM sobre o mercado de ativos digitais e de tokenização.

“Tivemos consultas públicas recentes do BC sobre os prestadores de serviços de ativos digitais, incluindo as tokenizadoras, e sabemos que a CVM está num processo de estudo interno de reforma da resolução 88 para enquadrá-la melhor à experiência que temos no mercado de mais de um ano da utilização da 88 no produto de tokenização.”

Para Lisboa, quando essas regras estiverem um pouco mais maduras, haverá uma maior facilidade de entrada para novos produtos, como é o caso do TIDC. “Vamos ter maior segurança jurídica, menos necessidade de adaptação do produto. As regras atuais não foram pensadas para esse tipo de produto. Acho que isso é o que vai destravar um grande número de operações não só do TIDC, como de outras operações inovadoras que devem surgir no mercado de tokenização de ativos virtuais com esses aperfeiçoamentos de normativos.”

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