10.02.2025
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Perspectivas para o Agronegócio em 2025: avanços regulatórios, sustentabilidade e segurança jurídica

Artigo originalmente publicado no Conjur.

O ano de 2024 foi desafiador para o agronegócio brasileiro devido a uma série de situações que impactaram o setor em diferentes âmbitos. Entre os principais desafios enfrentados estão a alta taxa de juros, que encareceu o custo do capital, e eventos climáticos adversos, como enchentes no Rio Grande do Sul e queimadas em outras regiões, que causaram prejuízos significativos. Além disso, o descrédito na política fiscal do governo brasileiro resultou na retirada de investimentos do Brasil, aumentando a instabilidade econômica.

Apesar dessas adversidades, 2024 também foi marcado por importantes alterações legais e regulatórias que trouxeram novas diretrizes e oportunidades para o setor. A seguir, resumiremos as principais mudanças que ocorreram ao longo do ano:

Resoluções do CMN n° 5.118 e n° 5.119

As resoluções do CMN n°s 5.118 e 5.119, de 1° de fevereiro de 2024, introduzidas pelo Conselho Monetário Nacional, trouxeram mudanças significativas no mercado de títulos de securitização e emissões bancárias, impactando diretamente o setor do agronegócio e imobiliário.

A Resolução n° 5.118 estabeleceu novas regras para a composição de lastro de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e do Agronegócio (CRA), restringindo emissões lastreadas em títulos de dívida de companhias abertas ou instituições financeiras, exceto se estas tiverem mais de dois terços de sua receita proveniente dos setores imobiliário ou do agronegócio. Além disso, direitos creditórios de operações com partes relacionadas foram excluídos do rol de ativos elegíveis, assim como aqueles destinados ao reembolso de despesas.

Essas restrições visam mitigar riscos, mas também reduzem a quantidade de títulos incentivados disponíveis para investidores, impactando fundos de investimento imobiliário (FII) e fundos de investimento nas cadeias produtivas agroindustriais (FIAGRO), que podem enfrentar dificuldades para reinvestir quando os atuais CRI e CRA forem pagos.

A Resolução nº 5.119 trouxe alterações para Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCA). Para as LCI, houve um aumento no prazo mínimo de vencimento de 90 dias para 12 meses e exclusão de empréstimos sem destinação necessariamente imobiliária como ativos lastro. As LCA agora não podem ser lastreadas em adiantamentos sobre operações de câmbio ou outros títulos como CRA e debêntures.

Essas mudanças visam aumentar a segurança e a transparência das operações, mas também introduzem desafios para a indústria, que precisará adaptar suas estratégias para se alinhar às novas exigências regulatórias. As restrições impostas podem levar a uma revisão significativa nas práticas de emissão e na estruturação de operações financeiras no setor.

Regulamentação dos Fiagros pela CVM

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgou em 2024 a regra definitiva para os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (FIAGRO), que entrará em vigor em 3 de março de 2025. Esta regulamentação, introduzida pela Resolução CVM nº 214, visa potencializar o uso dos FIAGRO como veículos de investimento coletivo no agronegócio, ampliando as estratégias de investimento e reformulando os paradigmas normativos aplicáveis.

A nova regra elimina a limitação que impedia os FIAGRO de investirem em ativos de diferentes categorias, permitindo que eles atuem como fundos “Multimercado”. Isso possibilita a combinação de estratégias, como aquisição de imóveis e participações em empresas de capital fechado, com investimentos líquidos em títulos de dívida privada, oferecendo aos cotistas a atratividade de rendimentos periódicos e potencial de ganho de capital.

Adicionalmente, os FIAGRO estão autorizados a adquirir créditos de descarbonização (CBIO) e créditos de carbono das cadeias produtivas do agronegócio, sem a necessidade de negociação em mercados regulados. Para isso, devem seguir requisitos como controle sobre a titularidade dos ativos e certificação das metodologias aplicadas, garantindo que estas reflitam as melhores práticas de mercado.

Os FIAGRO já constituídos devem se adaptar às novas regras até 30 de setembro de 2025. Modificações regulamentares necessárias para adaptação dispensam assembleia geral, mas alterações que extrapolem essa finalidade exigem aprovação dos cotistas.

Esta nova regulamentação busca fortalecer o papel dos FIAGRO no financiamento do agronegócio, oferecendo maior flexibilidade e oportunidades de investimento para os participantes

Mercado de Carbono

Apesar de o agronegócio ter ficado de fora do mercado regulado de carbono, esta iniciativa representa um passo importante para a sustentabilidade e pode futuramente incluir o setor, incentivando práticas agrícolas mais sustentáveis.

A Lei nº 15.042, instituída em 11 de dezembro de 2024, criou o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), estabelecendo as bases para um mercado regulado de carbono no Brasil. Apesar de não estar diretamente incluído no mercado regulado, o agronegócio pode se beneficiar indiretamente por meio de práticas sustentáveis que geram créditos de carbono. O Brasil, com sua vasta cobertura florestal e expertise em práticas agrícolas de baixo carbono, está bem posicionado para se tornar um dos maiores exportadores de créditos de carbono do mundo.

A nova legislação também permite que o agronegócio explore investimentos em inovações tecnológicas e práticas de manejo sustentável, como agricultura regenerativa e manejo de solo, que podem resultar em créditos de carbono. Esses créditos são atrativos para empresas globais que buscam compensar suas emissões, criando uma nova fonte de receita para o setor.

O mercado regulado de carbono é uma ferramenta estratégica para atrair investimentos necessários à descarbonização e impulsionar inovações verdes. Embora o agronegócio não esteja diretamente incluído, as oportunidades de integrar práticas sustentáveis ao sistema de compensação de emissões são vastas, permitindo que o setor continue a contribuir para a economia de baixo carbono do Brasil.

Alterações no RenovaBio

O programa RenovaBio passou por alterações significativas com a Lei 15.082, de 30 de dezembro de 2024, beneficiando especialmente os produtores de cana-de-açúcar. Anteriormente, a remuneração dos Créditos de Descarbonização (CBios) era restrita às usinas de etanol. Com a nova legislação, os produtores de cana agora participam desse mercado, podendo receber até 85% das receitas, caso forneçam dados adequados sobre eficiência energético-ambiental. Essa mudança não só valoriza os produtores, mas também promove práticas agrícolas sustentáveis, ampliando o papel dos insumos na cadeia produtiva de biocombustíveis.

Além disso, a lei possibilita que os produtores de outras biomasses, como soja e milho, negociem diretamente suas remunerações com as produtoras de biocombustíveis. Essa medida promete aumentar a flexibilidade e inovação dentro das cadeias produtivas. A regulação no setor também se fortalece com exigências que forçam as distribuidoras a comprovarem compatibilidade de estoques de biodiesel com as vendas de diesel B, promovendo maior transparência.

A legislação endureceu as penalidades para quem não cumprir as metas de descarbonização, que agora são consideradas crimes ambientais, com multas severas e penalizações que podem levar à suspensão das atividades de distribuidoras reincidentes.

Insolvência no campo

Os desafios de naturezas diversas mencionados acima implicaram aumento intenso no número de pedidos de recuperação judicial por agentes econômicos do agronegócio, com destaque não só aos produtores rurais, mas também às revendas e distribuidoras de insumos, notoriamente aqueles localizados no Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais.

O volume dos processos de insolvência, inclusive nas modalidades de conciliação e mediação antecedentes à recuperação judicial, tem colocado à prova a reforma legislativa pela Lei nº 14.112/2020. Com isso, 2024 foi o primeiro ano em que se discutiu com recorrência as recentes mudanças, com nota às controvérsias a respeito dos requisitos documentais para o pedido recuperacional por produtores rurais pessoas físicas e a disputa sobre a não sujeição ao concurso de credores da Cédula de Produto Rural (CPR), com liquidação física, nas hipóteses previstas pela lei.

Os eventos fomentadores de crise, apesar de preocupantes ao setor, no âmbito jurídico ao menos oportunizaram o início do desenvolvimento de temáticas importantes a respeito das soluções disponíveis aos devedores estressados em âmbito agroindustrial. Alternativas como operações estruturadas, acesso a mercado de capitais, ofertas de dinheiro novo, mesmo em processos de recuperação judicial (exemplo do Financiamento “DIP”), são essenciais como válvulas de escape em momentos de instabilidade econômico-financeira.

Provimentos CNJ nº 172/2024 e 175 2024

A alienação fiduciária de bens imóveis, instrumento que tem consolidado em operações de financiamento das cadeias do agronegócio, enfrentou, ao longo do último ano, divergências devido à falta de padronização em sua regulamentação. Enquanto estados adotavam regras próprias em seus Códigos de Normas, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) buscou uniformizar o tema nacionalmente, e, nos meses de junho e julho de 2024, o órgão publicou os Provimentos nº 172/24 e 175/24. As novas normas alteraram o Código de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça, restringindo a celebração de contratos de alienação fiduciária por instrumento particular apenas às entidades autorizadas a operar no âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI).

A medida tornou obrigatória a formalização por escritura pública para contratos fora do SFI, visando segurança jurídica, com o objetivo de evitar interpretações contraditórias e assegurar que a constituição desse tipo de garantia seguisse padrões claros. No entanto, a decisão gerou grande controvérsia, o que levou a União a apresentar pedido de providências ao CNJ. O pedido argumentou que a exigência de escritura pública elevava custos para adquirentes de imóveis e instituições não integradas ao SFI. Além disso, destacou que a restrição poderia afetar operações de crédito não diretamente ligadas ao setor imobiliário, já que a alienação fiduciária é usada como garantia em diversos contratos.

Em resposta, o CNJ reconheceu riscos de “dano iminente” e “grave repercussão na economia”, concedendo medida liminar para suspender os efeitos do Provimento nº 172/24 até julgamento definitivo do mérito. A decisão considerou que a exigência de escritura pública, embora bem-intencionada, poderia criar entraves burocráticos e desequilíbrios competitivos, especialmente para credores menores ou que atuam em nichos fora do SFI. O Provimento nº 175/24, por sua vez, mantém-se em vigor, mas sua aplicação prática também foi impactada pela suspensão parcial.

Enquanto o CNJ busca harmonizar esses entendimentos em território nacional, entendemos ser importante que futuras decisões considerem as particularidades do financiamento do agronegócio, assegurando que a regulação não engesse um setor que demanda flexibilidade para sustentar sua relevância na economia nacional.

Resolução CMN nº 5.193/2024

A Resolução CMN nº 5.193/2024 introduziu ao Manual de Crédito Rural (MCR) novas diretrizes para a concessão de crédito rural, substituindo a Resolução CMN nº 5.081/2023, a qual havia sido objeto de grande controvérsia no último ano. Na essência, buscou-se aperfeiçoar a análise socioambiental dos projetos financiados, reforçando a necessidade de identificação do imóvel rural por meio do Cadastro Ambiental Rural – CAR e estabelecendo vedações relativas a embargos ambientais, sobreposições com Unidades de Conservação, Terras Indígenas, territórios quilombolas e Florestas Públicas Não Destinadas. As mudanças visaram manter o rigor no cumprimento da legislação ambiental, ao mesmo tempo em que conferiram maior clareza às condições que autorizam ou vedam a concessão do crédito.

Uma das principais inovações é a flexibilização para concessão de crédito em propriedades parcialmente embargadas, desde que o produtor tomador dos recursos comprove a regularização da área afetada por meio de projetos técnicos de recuperação e pagamento de multas pendentes. Trata-se de uma adaptação normativa que permite a continuidade das atividades produtivas em áreas livres de restrições, equilibrando a diretriz principal da preservação ambiental com a busca por viabilidade econômica dos empreendimentos rurais. Paralelamente, a norma criou um regime de transição até junho de 2027 para casos de embargos por desmatamento, permitindo a liberação de financiamento específico para a recuperação de vegetação nativa, desde que haja compromisso comprovado com a regularização ambiental.

No combate ao desmatamento, a nova resolução estabelece, ainda, que, a partir de janeiro de 2026, deverá ser realizada uma análise da supressão de vegetação ocorrida após julho de 2019, no imóvel rural onde será conduzido o empreendimento a ser financiado, com base em dados oficiais do PRODES/Inpe. Caso sejam identificadas irregularidades, o acesso a recursos controlados ou direcionados dependerá da apresentação de documentos que comprovem a legalidade ou a regularização em andamento.

Nesse sentido, a edição da Resolução CMN nº 5.193/2024 representa um esforço de harmonização entre exigências ambientais, segurança jurídica e a necessidade de financiamento do agronegócio, ao passo que sinaliza espaço para futuros aprimoramentos, especialmente no tocante às infrações ambientais ainda não contempladas.

Lei nº 15.040/2024

A Lei nº 15.040/2024, que institui o Novo Marco Legal dos Contratos de Seguro, traz importantes inovações para o agronegócio. Com a consolidação de regras específicas para o seguro privado, a nova legislação amplia a gama de coberturas e moderniza os processos relacionados aos contratos de seguro, atendendo às diversas demandas do setor produtivo.

Uma das principais mudanças está na flexibilização e personalização das apólices. Agora, as seguradoras podem ofertar produtos mais adequados à realidade de diferentes regiões, calculando o valor do prêmio conforme o grau de exposição a fenômenos naturais ou sanitários. Isso permite que produtores rurais de áreas menos suscetíveis a desastres climáticos obtenham custos mais baixos, ao passo que produtores que enfrentam riscos elevados possam contar com coberturas específicas e indenizações condizentes com o nível de periculosidade do local.

Outro ponto relevante é a maior agilidade na liquidação de sinistros e no cumprimento das obrigações contratuais. A nova lei estabelece procedimentos que visam reduzir a burocracia no processo de indenização, conferindo maior segurança jurídica a todas as partes envolvidas. Para o segurado, isso se traduz em maior previsibilidade na hora de acionar a seguradora em casos de perda ou dano, seja por questões climáticas ou por problemas sanitários envolvendo culturas ou rebanhos.

A implementação do novo marco legal exigirá esforços coordenados: as seguradoras precisarão ajustar modelos de risco e produtos, enquanto órgãos reguladores, como a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, terão de editar normas complementares para detalhar aspectos operacionais. Se bem executada, a reforma tem potencial para democratizar o acesso ao seguro rural, mitigando os impactos de crises climáticas e biológicas na atividade agropecuária. No entanto, o sucesso dependerá de uma transição eficiente, que equilibre inovação, custos e a necessária capacitação dos produtores sobre as novas regras.

Conclusão

O ano de 2024 foi, sem dúvida, desafiador para o agronegócio brasileiro, mas também trouxe importantes avanços regulatórios e abriu novas oportunidades de crescimento. Com um olhar voltado para a sustentabilidade e segurança, o setor está bem posicionado para enfrentar os desafios futuros e continuar a ser um pilar essencial da economia brasileira em 2025.

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